Dr. Luis Antonio Diego, diretor de Defesa Profissional da SBA
Quase no despontar do novo milênio, dentre todas as dimensões da Qualidade do Cuidado na Saúde, a Segurança do Paciente destacou-se como aquela que merecia a maior parte da atenção. Em 1999, a publicação “Errar é Humano”, do Instituto de Medicina estadunidense foi a principal responsável por essa onda que só vem crescendo no setor saúde.
Concentrando-se na detecção, na compreensão e na prevenção dos eventos adversos evitáveis, foi-se construindo uma estrutura, já robusto, para minimizar os danos que ocorrem em consequência desses eventos adversos. Este arcabouço, deflagrado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) com o acordo multinacional de uma Aliança para a Segurança do Paciente, permitiu o desenvolvimento de programas de prevenção das principais causas desses eventos adversos como, por exemplo: a infeção hospitalar, a segurança cirúrgica e o uso seguro de medicamentos, ou seja, esforços concentrados nas causas estudadas e, portanto, já com uma probabilidade razoável de ocorrerem.
Esses programas procuraram expor as origens desses eventos aos gestores e aos profissionais mais diretamente inseridos na assistência, e, em sequência, medidas que pudessem vir a impedir suas ocorrências. Assim, as tecnologias e as ferramentas existentes na segurança de outras organizações de alta complexidade, como a aviação comercial e geração de energia nuclear, por exemplo, foram “ajustadas” para atender às demandas do setor saúde. Essas mudanças promoveram transformações não só na prática assistencial, mas também, e certamente ainda mais importante, no maior entendimento da Cultura da Segurança.
Corridas duas décadas desse frutífero esforço global, começou-se a questionar se não haveria um outro modo de se impulsionar ainda mais a Segurança do Paciente. Uma das propostas parece vir, novamente, de fontes externas ao setor, mais especificamente da Engenharia da Resiliência.
Resiliência, no campo da engenharia, é definida como a capacidade de uma organização funcionar − conforme o necessário − sob condições esperadas e inesperadas. Os princípios da Engenharia da Resiliência foram, inicialmente, explorados na saúde em 2001 por Erik Hollnagel, o qual entendeu não bastar a “imposição” de ações preventivas para impedir a ocorrência dos eventos adversos.
Em determinado momento, ele observou, inclusive, uma crescente insatisfação com as abordagens estabelecidas para as análises de segurança e gestão da segurança. A engenharia de resiliência, portanto, poderia vir a oferecer uma nova interpretação da gestão da segurança. O resultado foi que, mais recentemente, a aplicação específica dos princípios da engenharia de resiliência aos cuidados de saúde tornou-se um campo de atividade por si só denominado Resilient Health Care.
Então, a partir deste momento, o conceito de Safety II (Segurança II) se firma com a proposição de uma maior investigação das práticas cotidianas que, embora variáveis e oscilantes entre os limites da superação de expectativas e da prática inaceitavelmente insegura, permite que a maioria do que se é realizado dê certo. O foco da Segurança II deve ser no que acontece regularmente e não no que raramente ocorre (eventos adversos evitáveis, principalmente com dano), objeto da Segurança I. Como na Engenharia da Resiliência, a proposta é que, além da monitoração e controle do que dá errado (Segurança I), também se possa continuar olhando o que dá certo (Segurança II), principalmente em situações novas e inesperadas que intercorrem a inovação sociotecnológica.
A pergunta que muitos anestesiologistas farão: como isso é na nossa prática? As listas de verificação, instrumentos de handoff e aprimoramento na administração segura de medicamentos vão continuar e podem melhorar, mas vamos ter que passar a ter um olhar mais atento nas práticas com resultado positivo, principalmente nos procedimentos de maior risco, ser proativo e não apenas reativo, perceber como a flexibilização da conduta resolveu um problema novo e, quando o evento adverso ocorrer, não só investigar com o objetivo de identificar a causa raiz − as falhas no processo − para impor mais barreiras, mas também ter um olhar mais longitudinal em todo o processo na tentativa de entender como o “certo” ocasionalmente “dá errado”.